quarta-feira, 16 de março de 2011

Depoimento sobre o Maestro João Paulo Sefrin

Quando recebi a triste notícia de que nosso Maestro Sefrin não era mais o regente do Coral Unisinos, logo após a indignação inicial, pensei em escrever algo sobre seu trabalho. Fui tentado a falar da sua técnica, da sua sensibilidade como regente e da sua postura como líder. O lado humano e a amizade seriam pontos a destacar nesse meu depoimento. No entanto, como isso tudo não é novidade para ninguém, resolvi escrever sobre uma apresentação em específico que aconteceu na cidade de Igrejinha no ano de 2008. O evento não tinha nada de especial. Um encontro de coros numa pequena cidade do interior, com um público em número razoável, com um interesse também razoável nas apresentações que se seguiam uma após a outra. Naquele ano estávamos com um repertório bastante complexo (pelo menos para mim) que incluía entre outras coisas, “Canto dos Pássaros” e “Piquete do Caveira”. O desafio era grande, especialmente para um cantor amador como eu. Nos ensaios, lembro da paciência e das inúmeras vezes que parávamos para repetir determinados trechos das peças. Lembro da obstinação do Maestro e da determinação em tirar o melhor que cada um de nós pudesse dar. Buscávamos o mais próximo da perfeição, talvez resquícios de um passado glorioso, o qual, infelizmente não tive a oportunidade de viver.

Após assistir a várias apresentações, subimos ao pequeno palco. Os holofotes ficavam incrivelmente próximos causando uma sensação de calor naquela noite de temperatura amena. Pensei que seria apenas mais uma apresentação, quando, em determinado momento, ao executarmos “Piquete do Caveira”, o coro tornou-se literalmente um instrumento nas mãos do Maestro. Notei que o maestro alongava alguns trechos da música, em outros mudava a dinâmica...o coro acompanhava. Ponta de pés, olhos fixos e atentos. A massa humana do coro se movia ao balanço das mãos do regente e ao movimento corporal que a música exigia. Cantávamos ao mesmo tempo em que éramos elevados para outro patamar. Naquele momento tudo ficou claro. Éramos teclas do mesmo piano. Cordas do mesmo violão. E o Maestro, depois do árduo trabalho de afinação do seu instrumento coral, pode finalmente tocá-lo, naquele instante, naquele raro e solitário instante. Um trabalho talvez de anos se justificava. Ali ele foi o solista, o intérprete daquela música. Naqueles poucos minutos em que se seguiu a peça, o Maestro não regeu, ele tocou, foi músico. Naqueles parcos e raros minutos, que nem sei se pôde ser repetido outra vez, o instrumento Coral, composto de cordas vocais, seguiu ao sabor dos movimentos precisos do Maestro. Aquele instrumento humano tão complexo e cada vez mais raro, composto de almas, corações, sujeito às suas vicissitudes, as suas manias, crises de humor, gripes, resfriados, dores de garganta e cansaço. Aquele instrumento sujeito às emoções, problemas pessoais, trabalho, filhos, emprego, família. Aquele instrumento, que pensa e tem alma, aquele instrumento que chora, que ri, que sofre e fala...composto acima de tudo de gente e por isso mesmo complexo...aquele instrumento que não foi criado pelo homem, mas que saiu das mãos de Deus, naquele instante esteve literalmente nas mãos e sob execução do Maestro João Paulo Sefrin. O ar emitia sons, era tocado como uma harpa, esvaecia-se, crescia, acomodava-se, voltava a crescer com força e vigor. Mar em ressaca, rochedo, pássaros e areia, água e vento, suavidade e força. Naquele momento, plenamente afinadas, todas as cordas soaram exatamente como ele queria. O ensaio fora só o momento de afinar os instrumentos, pois ali no palco, nossa casa, éramos o instrumento tocado pelo artista. Juntos, tensos, atentos, suados sob o holofote do pequeno tablado, num momento de transe e pura arte, soamos afinados, limpos e precisos. Os olhos do Regente olhando para o nada, as mãos e corpo em comunhão, ocupados apenas na arte de recriar a música que a partitura não podia descrever. Recriar, interpretar, reinventar.

Sefrin não rege mais o Coral Unisinos, por motivos que não nos cabe julgar. Perde a universidade, perdem os seus coralistas, perde o público e a comunidade artística em geral. Entretanto, sua arte continua a pleno nas diversas atividades a que se dedica. De minha parte, discípulo que sou, seguirei o mestre. Seguir em busca de momentos como aquele em que a música, em toda sua plenitude, me fez entender finalmente o que é arte.

Sílvio Machado.

2 comentários:

  1. Emocionante depoimento. É uma honra e um prazer enorme cantar com esse fabuloso ser humano.

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  2. Clarice, antes mesmo de terminar de ler teu maravilhoso artigo, quero compartilhar contigo a alegria de ter o maestro João Paulo Sefrin como regente do nosso Coral do CEPE Canoas, cuja primeira apresentação fizemos no último dia 22 no Teatro Municipal de São Leopoldo. Acabei de postar 2 vídeos no Youtube: Ai que saudade d'ocê e Tertúlia. Um grande abraço Nilce

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